O que é Continuum funcional?


Definição de Continuum funcional

O espectro de graus ou níveis nos quais os componentes neuromusculoesqueléticos mais essenciais estão trabalhando. A função é baseada e definida pela integridade e limitações tanto na função articular quanto na função muscular.

Importância do Continuum funcional no exercício

A orquestração de qualquer solução de recrutamento motor é baseada no uso eficiente de componentes funcionando adequadamente (articulações, músculos) e na habilidade de evitar componentes que não estão funcionando ou estão fracos. Melhor dizendo, o cérebro normalmente emprega o “disponível” e evita o fraco, inibido, inflamado, etc.

Dessa forma, treinar para melhorar a função necessitaria da identificação de déficits ou disfunções neuromuscularesqueléticas e da introdução de um estímulo aplicado precisamente em nível e frequência apropriados, dando assim a oportunidade para o uso daquela articulação/músculo na orquestração de soluções de recrutamento motor.

A esse respeito, o exercício que mais efetivamente atende às necessidades ou déficits de um cliente-paciente em um certo dia pode, na verdade, não se parecer em nada com o movimento global/bruto ou com o resultado/meta externo. Isto é, os passos mais apropriados para se atingir um objetivo podem não se parecer em nada com o objetivo.

Exemplos de Continuum funcional

Função Muscular

A função essencial do músculo é a habilidade de gerar contração. Essa habilidade fundamental não deveria ser confundida com qualquer quantidade específica de produção de tensão ou referente a qualquer atividade específica. Idealmente, um músculo deve ser capaz de gerar uma contração detectável em qualquer comprimento, como esperado e ditado pelo trajéto realizado de suas inserções ósseas.

A habilidade contrátil pode ser prejudicada por um processo comumente chamado de “inibição”, o qual é considerado por muitos um mecanismo de proteção frequentemente relacionado com intolerância a estresses, sejam estes químicos ou físicos.

A habilidade contrátil pode também ser reduzida ao ponto de ser prejudicada pelo processo homeostático de “descondicionamento”, isto é, a atrofia de um músculo, assim como de seus componentes neurológicos e sua função. Apesar da atrofia ser geralmente considerada o resultado da falta de uso, a natureza da função muscular o deixa suscetível à alterações de extensão específicas na habilidade contrátil. Por exemplo, se a extensão da articulação do quadril atualmente disponível (10º além de zero) é evitada por meses ou anos (ex.: não é requisitada para realizar os agachamentos, ou a marcha, e certamente não é usada para se sentar), assim evitando a musculatura extensora de fazer as sobreposição das “pontes cruzadas” nestes comprimentos, a viabilidade desta contração no comprimento contrátil mais curto pode se tornar reduzida e, com o tempo, se tornar indisponível, prejudicando assim o output e o controle. O prejuízo da performance interna neste ponto da amplitude pode levar à compensação durante a performance externa. Isto é, se um resultado externo exige esta posição (e comprimento contrátil), a compensação será necessária.


Função articular

O movimento humano não é resultado da “flexibilidade”. É resultado da mobilidade. E o grau e o(s) plano(s) da mobilidade são, antes de tudo, determinados pela estrutura articular. Os componentes estruturais passivos/não-contráteis de uma articulação (normais ou patológicos) determinarão sua máxima oportunidade de movimento. E este movimento é regulado e microgerenciado pelos componentes contráteis (ex.: musculatura em torno da articulação).

A condromalácia é o amolecimento da cartilagem articular (hialina) e, em estágios mais severos, progride para um rompimento na cobertura da superfície de contato, eventualmente fazendo com que o osso fique exposto. Esse processo progressivo de artrose é prejudicial tanto para a função de uma articulação, como para a entrada sensorial necessária.

Os osteófitos (ou “esporões ósseos”) são causas comuns de alterações na função articular, com 70% de pessoas com mais de 50 anos apresentando a ocorrência, como mostrado em ressonância magnética.1

Equívocos sobre Continuum funcional

Treinar em superfícies instáveis

Tem sido percebido que o treino em superfície instável é mais desafiador neurologicamente e, dessa forma, é melhor para todos os objetivos, desde cardio, a força, a reabilitação, ou qualquer performance esportiva.

O fato inevitável é que a produção de tensão (isto é, o output e a carga) é sacrificada conforme a instabilidade da plataforma é aumentada. Entender e apreciar as necessidades e objetivos do indivíduo é vital quando for determinar qual desafio deve ser sacrificado e qual deve ser enfatizado.

Treino de simulação

Muito frequentemente, um exercício é escolhido ou desenvolvido porque se parece com uma atividade que queremos melhorar (movimentos esportivos, atividades diárias, etc.). O que erramos em reconhecer são todos os fatores envolvidos que não podemos ver dentro daquele exercício que, na verdade, o faz dramaticamente diferente da atividade-fim, ao ponto de se tornar prejudicial para a performance... ou até mesmo para o corpo!

Por outro lado, um exercício que não se parece em nada com um esporte ou atividade pode apresentar benefícios integrais e, mesmo parecendo totalmente diferente da atividade, na verdade melhora os componentes que são vitais para a performance.

Treino de equilíbrio versus melhoria de equilíbrio

Uma superfície instável não melhora inerentemente o equilibrio. Ela dramaticamente desafia a habilidade da pessoa de orquestrar uma solução para manter seu centro de massa em uma base de suporte alterada ou diminuída. Se o indivíduo não é capaz de manter a relação entre o centro de massa sob a base de suporte em uma superfície plana e estável, então o uso de uma superfície/base instável é uma progressão inapropriada do desafio.

Além disso, se o tornozelo e a musculatura do pé de um indivíduo não estão funcionando adequadamente, então existem “peças/partes” que estão limitadas mas mesmo assim farão parte da solução motora para o equilíbrio em qualquer superfície. Aplicar desafios adequadamente modulados para os tornozelos e pés em todas as direções das funções articulares e musculares necessárias (tanto agonista quanto antagonista) pode aumentar as opções disponíveis entre as quais o cérebro escolhe para criar uma solução, reduzindo assim a necessidade de compensação.

“Treino funcional” é “treino de padrões de movimento”

O movimento observado globalmente e superficialmente é enganoso quando se trata de exercícios e performance. O movimento é simplesmente uma questão da relação entre as forças de esforço interno versus as forças de resistência externa. Dessa forma, o exercício não é o treino de “padrões de movimento”. O exercício é o treino de “padrões de força” ou, melhor dizendo, “variações nos produtores de força e na produção de força em resposta a mudanças tanto na disponibilidade interna assim como em quaisquer mudanças na força de resistência durante a amplitude de movimento”. Em última instância, o exercício se resume à física aplicada e à eficiência das forças produzidas.

“Músculo funcional”

Foi nos dito que o “treinamento funcional” desenvolve o “músculo funcional”. O treinamento funcional como o conhecemos é, na verdade, apenas a melhoria da habilidade de “manipulação de um objeto (massa/física)”. Isto é, a habilidade de usar as partes do corpo que são capazes e que são mecanicamente úteis coordenadas com a física do objeto para: a) conservar energia; ou b) produzir um resultado externo maior do que nossa força pura pode gerar durante a amplitude de movimento.

“Treino funcional” melhora a função

Se treino funcional é “treinar o que você faz”, então quando você treina o resto? Quando você treina aquilo que você não faz regularmente? A vida já é um treinamento funcional: trabalho, esportes, etc. Ou é muito ou é pouco, mas raramente é o estímulo ideal para qualquer indivíduo em um dado momento, especialmente se o objetivo é um resultado abrangente como a saúde. O treinamento funcional verdadeiro deveria focar na melhoria dos detalhes funcionais do músculo e da articulação.

“Elos fracos”

Existe um pensamento que tem indicado que exercícios “multiarticulares”, “integrados” consertarão seus elos fracos. Mas, usando uma analogia, tenha em mente que “para afinar uma guitarra é necessário afinar uma corda de cada vez”.

Outros mitos e equívocos

  • O resultado final/performance externa reflete precisamente a performance interna.
  • "Funcional” é sinônimo de transferência.
  • Exercício isolado cria um músculo “burro”.
  • Exercício isolado é uma tentativa de desafiar um único músculo.
  • Isolar um movimento articular não é recrutamento muscular integrado
  • Isolar o desafio de movimento em uma única articulação prejudica futuros movimentos e habilidades articulares.
  • Uma base estável e/ou caminho guiado não melhoram a função.

No fim das contas, a falta de abrangência sobre a definição de “função” e a aceitação da indústria no uso de “funcional” como nada mais que um termo de marketing para uma moda de exercícios tem causado a condenação injusta de alguns exercícios e a desmerecida glorificação de outros.

Tópicos relacionados

  • Performance interna
  • Desafio da estabilidade
  • Restrição: apoio e direção
  • Orquestração e recrutamento motor
  • Compensação

Referência bibliográfica

1 Guermazi, A, et al. Prevalence of Abnormalities in Knees Detected by MRI in Adults Without Knee Osteoarthritis: Population Based Observational Study (Framingham Osteoarthritis Study) BMJ 2012;345:e5339 doi: 10.1136/bmj.e5339 (Publicado em 29 de Agosto de 2012)